Dando sequência e encerrando as entrevistas do programa "das mulheres de nossa escola que os inspiram", hoje os Anos Finais nas aulas de Língua Portuguesa com o prof. Cássio, entrevistaram a Diretora Andrea.
As entrevistas realizadas focam as visões de mundo e as características como mulheres e, também, profissionais das entrevistadas.
Confira abaixo a entrevista com a Diretora Andrea feita pela turma 71:
Eu tive muitas influências na minha história de vida para estar aqui e estar nessa profissão. Quando eu era pequena, gostava muito de brincar de aulinha com minha amiga. Lembro de que uma dinda minha me deu um quadro pequeno verde, não tínhamos muitos brinquedos, então ela acabou me dando esse quadro e estimulou as brincadeiras de aulinha. Meu pai tinha uma irmã que era freira e uma que tinha estudado para isso mas desistido, e todas eram professoras. Eu achava lindo quando a irmã Dorothea chegava em casa com presentes simples e pequenos, mas sempre lindos e organizados. Aquilo tudo eu tenho certeza de que foi me influenciando.
Tenho também uma irmã mais velha que eu. Quando eu tinha 13 anos, no oitavo ano, meu pai morreu, muito cedo. Um dos grandes legados que meu pai dizia para nós, mesmo quando eu era pequeno e guardo muito na memória era: estudem! Porque o estudo ninguém vai tirar de vocês! A minha mãe não tinha estudo, mas meu pai tinha o ensino médio completo. A gente se privava de coisas para que nós recebêssemos o estudo. Quando ele morreu, foi muito difícil para que minha mãe pudesse nos manter, porque éramos quatro. Minha mãe batalhou para que todos nós estudássemos, vendia tortas, porque ela era muito boa na cozinha. Minha mãe, pra mim, é um exemplo de força e de coragem. Ontem, em Cruzeiro do Sul, ela foi homenageada pelo dia da mulher, porque era um exemplo e foi muito envolvida com as questões da sociedade, fez a diferença. Todas essas mulheres foram minhas grandes inspirações. Fui criada no meio de professoras e todas elas, com certeza, foram influenciadas pelas irmãs do meu pai, mulheres fortes e guerreiras, envolvidas com a educação. Não tinha como ser diferente, como fui criada assim trago comigo esse desejo e digo com certeza: eu amo ser professora, eu amo a sala de aula, eu amo os alunos. Sei que daria conta de qualquer coisa porque eu amo minha profissão.
3 - Você já enfrentou desafios específicos como mulher em sua carreira educacional? Se sim, como os superou?
Sabe, eu não. Não posso dizer que, como mulher, em algum momento fui desrespeitada. Aqui na comunidade, nunca. Eu nunca me senti desrespeitada, às vezes nós atendemos pais revoltados, mas mesmo assim nunca puxei os desrespeitos para mim, e nunca por ser mulher.
Nem sei às vezes como, porque é tanta coisa. O meu dia não é fácil, mas ao mesmo tempo eu amo a vida que eu tenho. Eu saio de casa todos os dias muito feliz, porque eu amo essa escola e amo estar aqui com vocês. Eu tenho dois filhos, o Bruno e a Alice, e meu esposo Santiago. Nós moramos juntos com minha mãe, que tem 85 anos e não pode mais ficar sozinha. Minha mãe ainda me ajuda bastante, coloca a roupa na máquina, faz comida, e a gente ainda tem tempo, mesmo com minha rotina apertada, de conciliar tudo. Meu marido me ajuda, minha mãe me ajuda, meus filhos também já são maiores e têm autonomia, foi para isso que eu os criei. Eles vão bem na escola, então não tenho preocupação com isso. A direção da escola consome a maior parte do meu tempo e das minhas preocupações, quando digo isso me refiro ao pessoal de cada um. Penso se os alunos estão bem, como as coisas estão dentro das casas, se eles se comportam bem dentro da sala de aula, como os professores se sentem dentro da escola. Sempre penso em como melhorar e isso consome muito da minha cabeça e do meu tempo. Eu tento conciliar, mas às vezes meu marido me xinga “de novo tu estás indo pra escola”. E eu digo: eu preciso estar, é importante. Através do diálogo nós nos entendemos.
5 - Quais são as lições mais importantes que você gostaria de transmitir às meninas da sua escola sobre empoderamento feminino?
Nunca aceitem desrespeito, sejam sempre vocês mesmas. Quando eu era criança, eu tinha uma amiga que era muito bonita e eu pensava “porque eu não sou tão bonita quanto ela?”. Um dia uma pessoa disse assim para mim: - Déia, essa menina é linda, mas tu és diferente. Tu és inteligente, tu és simpática, tu és querida. O que tu tens aqui (na cabeça), ela não tem. Eu comecei a me entender melhor quando tinha 14 anos, não era mais criança, era adolescente. Nessa fase, pensamos muito na beleza física, que não é o mais importante. O que realmente importa é a educação, o respeito. Nunca podemos deixar um menino, ou um homem, nos desrespeitar. Sejam quem vocês quiserem. Eu era uma menina tímida, do interior, o lugar onde moro não é cidade e isso não me impediu de ser quem eu sou hoje. Cada mulher pode ser o que quiser. Mas uma coisa digo para todos: estudem. Porque ele auxilia vocês a conseguir mais respeito, dinheiro e satisfação. Nunca digam que vocês não conseguem. Eu não me imaginava uma diretora de escola, eu pensava “será que eu consigo fazer isso” e hoje eu vejo que eu consigo. Eu era como vocês e percebo que a gente consegue.
O tempo todo precisamos confiar em nós, o que pode ser difícil. Mas precisamos confiar que somos capazes, que conseguimos. Se olhem no espelho e digam: eu posso, eu consigo. Isso vai entrando em nossa cabeça. A autoconfiança precisa começar dentro de si, dentro do coração. Muitas mães estimulam isso. Estou há mais de 20 anos trabalhando no bairro Santo Antônio e vejo que muitas vezes as pessoas do bairro são discriminadas por morarem aqui. Isso é uma luta das mulheres daqui, é uma luta também de cada um de vocês, mostrar que cada um que mora aqui é bom e é capaz. No momento em que se sentirem para baixo, tristes ou chateados com algo, se olhem no espelho e digam: eu posso, eu consigo e sou capaz. E sempre estudem, o grande segredo. Nunca desistam.
7 - Como você encoraja as meninas a explorar áreas de interesse que são tradicionalmente dominadas por homens?
Sabe aquela frase: você pode ser o que você quiser? É isso. Nós vemos mulheres motoristas de caminhão, vemos mulheres trocando pneus, sendo eletricistas. Ocupam espaços que antigamente eram somente de homens. Mesmo na escola, antigamente os diretores escolares eram homens, o que mudou bastante nos dias de hoje. A maioria é mulher. Ela pode ser o que quiser. Acho que isso facilita para essa geração, antigamente tudo era mais difícil. As mulheres tinham trabalhos de mulher: dona de casa, professora, salão de beleza, mas hoje temos até prefeitas. Antigamente, poucas mulheres conseguiam isso. Mas abriram espaço para que as novas gerações pudessem conseguir essas coisas.
Houve uma época em que mesmo aqui na escola havia pouquíssimos professores homens, Na verdade, as profissões estão se equiparando. As mulheres estão na brigada militar. O que eu digo para vocês que estão aqui: vocês podem ser o que quiserem. Antigamente, somente os homens eram motoristas de carro, hoje dirigir um carro é uma coisa de homens e mulheres. Essa distinção está sendo mudada mesmo pelos próprios homens, que entendem que as mulheres são capazes.
8 - Qual conselho você daria às mulheres jovens que estão se preparando para enfrentar os desafios do mundo atual?
Estudem. Esse é o legado que quero deixar nessa escola. Nunca parem de estudar. Se vocês têm um celular, nele vocês podem jogar, olhar vídeos, ler textos, e quando forem fazer isso, aproveitem para irem atrás de informações que agreguem, não percam tempo com coisas que não trazem benefícios. Dá para relaxar com jogos, mas é preciso equilíbrio. Minha filha é muito estudiosa, mas gosta muito de jogar, então ela procurou jogos sobre países e agora conhece todas as bandeiras e países do mundo e acabou fazendo com que seu irmão jogasse junto e aprendesse. Esses dias, ele fez uma avaliação e na turma dele ninguém sabia nada sobre aquele país, mas o Bruno sabia e a justificativa foi o jogo que aprendera a jogar com sua irmã. Se vocês usam o celular, usem para coisas que agregam conhecimentos. Estudem, não é um marido que vai trazer conhecimento. Façam por vocês.
Então, meninas que estão aqui, sobre ter filhos. É legal, meu primeiro filho eu tive com 33 anos, o que fiz até lá? Eu estudei, conheci lugares, viajei, conheci pessoas. São coisas que é importante vocês pensarem a partir de agora. Temos sonhos na vida, muitos já consegui realizar: ser mãe, ter uma profissão, ser respeitada. Tenham sonhos. Se não sonharmos, é difícil, porque precisamos pensar o que queremos lá na frente. Cada dia vamos conquistando esse sonho. Se digo para vocês, estudem, isso não significa apenas a série em que você estão, mas sim todo o conjunto que engloba tudo. Para isso é preciso de foco, sabermos onde queremos chegar. Se você botarem na cabeça de vocês que querem estudar, então será uma conquista diária.
Cada menina que está aqui eu digo para sonhar, para desejar, ter metas e ter foco. Isso serve para os meninos também.
9 - Quais são suas esperanças para o futuro das mulheres na educação e na sociedade em geral?
Espero que as mulheres tenham isso, que elas confiem em si. Confiem no seu potencial. Espero que elas consigam isso, que construam dentro de si autoconfiança. Esse poder que existe, mas que às vezes está quietinho dentro do coração. Para a sociedade, a mulher ser o que ela é de verdade vai ser o motivo de ela conseguir seus objetivos, descobrir a força que ela tem. Quando penso no meu dia, penso em como sou forte e em quantas coisas consigo fazer.
Acredito que as mulheres estão mais fortes, as gerações estão mais fortes. As mulheres foram se apoderando com o passar do tempo e eles estão empoderando suas filhas. Mas uma coisa me preocupa um pouco: às vezes as mães estão se esquecendo de seus papéis como mães, às vezes tem filhos mandando nas mães, em algumas famílias isso acontece.
A mulher precisa saber e reconhecer seu papel como mulher e como mãe. Quem disse que qualquer uma de vocês que está aqui na escola não pode ser uma vereadora, uma prefeita, uma diretora? O papel da mãe de vocês, ou das mulheres que estão com vocês todos os dias, é esse. As mulheres que estão preparando as próximas gerações precisam ser mais duras com seus filhos. Vejam, quando me perguntaram qual minha inspiração eu disse minha mãe, depois vem as tias e as avós, elas são as grandes inspirações porque são quem temos à nossa volta. Tenho certeza de que hoje vocês ensinam muito as mães de vocês. Mas em alguns momentos as mães passam a mão nos filhos e não dizem coisas importantes que deveriam ser ditas.
Mas vocês podem ver muitas outras mulheres como exemplos, as professoras, as lideranças comunitárias, médicas. Todas elas são pessoas importantes, vocês também podem olhar para elas e se inspirarem, porque vocês são a nova inspiração. Vai chegar um dia em que eu direi minha idade e vou me aposentar, e quem vem no meu lugar vai precisar de força e de coragem. Se elas vão estar preparadas, a vida vai ensinar, porque ela ensina a ter coragem, a ter poder, a ter força. É assim que as coisas acontecem. As mulheres, sim, nos inspiram, mas a gente, vocês que são a nova geração, precisarão descobrir a força que tem dentro de vocês.
Eu queria repetir uma coisa, que eu já repeti mil vezes, que é o mais importante nessa conversa: vocês podem ser o que quiserem. Nunca se puxam para trás, nunca deixem ninguém dizer que vocês não conseguem. Se alguém dizer isso, saia de perto, porque vocês conseguem. Para finalizar, estudem e quando não se sentirem respeitadas saiam de perto e procurem estar com pessoas que agreguem na vida de vocês. A gente escolhe as coisas na vida. Quero dizer que torço para que vocês escolham sempre o caminho do bem, das coisas boas, das coisas saudáveis e nunca se envolvam com coisas que não sejam boas.