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O prestigiadíssimo ganhador do Nobel de Literatura, José Saramago, disse, numa entrevista ao O Globo, que o uso do Twitter, o microblog que limita as mensagens ao número máximo de 140 caracteres nos fará involuir ao nível da comunicação por grunhidos." Fonte - recantodaspalavras
AS PALAVRAS - José Saramago
"As palavras são boas. As
palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpa. As palavras
queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas,
vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos,
não nos largam: são como carraças[1]: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans
publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. As palavras
aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São
melífluas[2] ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de
paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as
suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que
pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras.
E há
os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio
instável graças a uma precária sintaxe, até o prego final do Disse ou Tenho
dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se
lançam cortinas de fumo ou se dispõem bambinelas[3] de veludo. São brindes,
orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores,
agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos
aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão – e por essa
via entram na imortalidade do Verbo. Ao lado de Sócrates, o presidente da junta
afixa o discurso que abriu a torneira do marco fontanário[4]. E as palavras
escorrem tão fluidas como o «precioso líquido». Escorrem interminavelmente, alagam
o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o
dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra
segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos,
envolta também num murmúrio manso, represo e conciliador. Há de tudo no
orfeão[5]: tenores e tenorinos, baixos cantantes, sopranos de dó de peito
fácil, barítonos enchumaçados, contraltos de voz-surpresa. Nos intervalos,
ouve-se o ponto. E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações,
como as tempestades solares.
Porque
as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não oiça
outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra é erva
fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra não mostra. A palavra
disfarça.
Daí
que seja urgente mondar[6] as palavras para que a sementeira se mude em
seara[7]. Daí que as palavras sejam instrumento de morte – ou de salvação. Daí
que a palavra só valha o que vale o silêncio do ato.
Há,
também, o silêncio. O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio
escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a
terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem
sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e
o joio. Mas só o trigo dá pão."
[1] carrapatos, ; [2] referente ao mel; [3] cortinas de enfeite; [4] chafariz; [5] conjunto de cantores, coro; [6] podar, cortar; [7] lavoura
Fonte - umprofessorle